sábado, 17 de outubro de 2015

Tavarede no Teatro - 13

Retalhos e Fitas



         É uma pequena revista esta. “Retalhos e Fitas” tem um acto e três quadros. Foi integrada no espectáculo do 24º. aniversário da Sociedade de Instrução. Tal como a anterior “O Grão-ducado de Tavarede”, teve a autoria de João José, pseudónimo usado pelos seus dois autores: João Gaspar de Lemos Amorim e José da Silva Ribeiro.

         A música, 14 números, era original e coordenada pelo figueirense António Maria de Oliveira Simões. Com uma magnífica orquestra e luxuoso guarda-roupa, “pode dizer-se que esta récita de gala teve, num meio pequeno e de gente humilde, como o de Tavarede, foros de acontecimento artístico. Por isso mesmo felicitamos todos os que nele colaboraram”.

         Foram estes os pequenos comentários encontrados nos jornais de então. A acção da peça decorre no Largo da Igreja, os dois primeiros quadros, e no palácio da Princesa das Fitas, no último, onde terminava com uma apoteose.

         Quando sobe o pano, o Largo encontra-se cheio de homens e mulheres do povo que, em volta do Tio Joaquim, olhavam para o céu com vidros fumados, como se estivessem a ver um eclipse do sol. Parece uma bola, diziam alguns apontando para o ar. Mas, fosse o que fosse, não vinha no “repertório” e lá vem tudo indicado, desde os cometas até aos eclipses e outras coisas no género. E para aquele dia não havia lá nada!

         Supersticiosas, as mulheres de Tavarede logo se lembraram de gritar que era o fim do mundo e que, certamente, o que aí vinha era um grande cometa, que cairia em cima da terra e arrasaria tudo! Mas o estranho era que os cometas deixam gáses e têm rabo e este não... Parecia uma bola, uma grande bola, e nada mais.

         Quem era, que não era, chegaram brevemente à verdade. Tratava-se nada mais nada menos que o planeta Mercúrio, deus do comércio e dos ladrões. Como, naquela ocasião, passava perto da terra e como tinha chegado ao seu planeta a fama da grande fita dos badalos em Tavarede, aproveitou a ocasião para fazer uma visita a lugar de tanta nomeada. E nem sequer mudou de indumentária. Vinha tal e qual como andava lá pelos seus domínios celestiais.

         Para o receber e acompanhar na visita, nada melhor que o Tio Joaquim. Mas, quem era o Tio Joaquim?

Mercúrio - Se me não engano, estou na Terra do Limonete, não é verdade?
Tio Joaquim - Exacto. Terra de muita fama e de pouco proveito...
Mercúrio - E posso saber a quem tenho a honra de estar falando?
Tio Joaquim - Ao Tio Joaquim. É como todos me tratam: tio Joaquim. Cá na terra há mais Joaquins, mas Tio Joaquim há só um, que sou eu! É como lhe digo. Até os correios assim me conhecem. Os avisos da décima trazem só: Tio Joaquim - Tavarede. E cá vêm ter.
Mercúrio - É então pessoa de alta importância...
Tio Joaquim - Não é por me gabar, mas graças a Deus, sou, sim senhor. Abaixo do senhor Vigário, sou eu. Cá na Terra toda a gente me consulta, toda a gente quer saber a minha opinião, todos querem o meu conselho. Sou eu quem regula o amanho das terras da freguesia: “Oh João, aproveita esta estiada para a sementeira da leira da baixa. Ó Manel, trata-me da vinha, que se te vai embora se não lhe acodes c’o sulifate. Não te descuides c’os tomates, Zé da Estina, amarra-os se os queres ter grandes. Etc. etc. Eu é que digo o que se há-de semear neste crescente, eu é que aviso se vem chuva ou se temos bom tempo p’ró minguante.
Mercúrio - É o barómetro da freguesia.
Tio Joaquim - Lá isso de barómetro não sei o que é. Sou assim uma espécie de folhinha, de Borda d’Água. Dizem os jornais que agora na Itália o Massolini é que manda no trigo, ele é que diz se as terras hão-de dar muito ou pouco. Mal comparado, eu sou o Massolini da agricultura cá da terra. E às vezes não basta o conselho. É preciso obrar. E eu obro muitas vezes nas terras dos outros. Quem quer bons enxertos, vem ter comigo. Ninguém os faz melhor.
Mercúrio - Nessa idade?
Tio Joaquim - Sei mais disso que os novos, e ainda não me falta firmeza para abrir o golpe no cavalo e meter o garfo.
Mercúrio - Acredito.
Tio Joaquim - Se são precisos louvados para avaliações ou para partilhas vêm-me chamar; e nos compromissos de gado nada se faz sem mim. Não há curral de porcos em que eu não tenha entrado. Em questões de porcaria ninguém me leva a melhor.
Mercúrio - Vejo que fui muito feliz em aqui o encontrar. Ninguém melhor do que o Tio Joaquim poderá mostrar-me o que nesta aldeia há de notável. Uma terra velha como esta deve possuir curiosos e históricos monumentos. Se me não falha a memória, reza a história que quando Cristo andou pelo mundo já existia Tavarede.

Tio Joaquim - Sim, senhor, é verdade. Terra velha e rija... Teem passado anos e séculos e Tavarede é hoje a mesma aldeia pequena, a mesma pobreza, a mesma miséria. Não se faz uma casa, e as que caiem, vão aumentando as ruínas. Nem de propósito: Aí veem dois monumentos históricos que são duas ruínas célebres: O Paço do Conde e o Rio Velho.

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