sábado, 7 de novembro de 2015

Tavarede no Teatro - 21

         “Se lá no seu planeta não as há, mal sabe Vossa Senhoria do que está livre. Há lá nada pior que as bruxas! Coisas que por aí se vêem e que se não sabe quem as faz, já se sabe que é obra das bruxas. Em tomando uma pessoa à sua conta, dão cabo dela. E então fazem cada patifaria... Uma vez entraram no curral do Fadigas, montaram a cavalo num boi, e tanto lhe chuparam o sangue que o boi ficou que parecia um carneiro. Outra: O Zé Augusto foi para o Brasil e deixou cá a mulher. Voltou daí a quinze meses, e quando chegou a casa, a mulher tinha um filho. O rapaz quis divorciar-se, mas, por fim, acomodou-se porque aquilo foi... tinham sido as bruxas. As bruxas! Ui! Que praga! E ladras?!... Nas fazendas faltam batatas, aparecem roubados os couvais: e sabe quem é o ladrão? São as bruxas. Às vezes leio nos jornais: Um grande furto na ourivesaria tal: No Banco qualquer coisa verificou-se um desfalque de duzentos contos. Descobriu-se uma importante falsificação de notas. A polícia faz várias diligências sem resultado, mas espera descobrir os criminosos. Ah! Ah! Ah! Pois, sim, espera, vai esperando que hás-de descobrir boas coisas... Como há-de descobri-los se os criminosos são as bruxas? Tudo obra das bruxas, tudo bruxarias!”.

         Pois Mercúrio quer conhecer as bruxas de Tavarede e começa a chamá-las. Não se fazem rogadas e aí estão elas, cantando:

Coro das Bruxas -      
            A nossa alegre,
            Risonha vida
            É agradável,
            É divertida:
            Sobre os telhados
            Voar, voar;
            E numa eira
            Dançar, dançar...

             Neste baile do Sabá
             De bruxas e diabitos,
             Haja risadas macabras,
             Haja uívos, haja gritos,

              Haja guinchos de vampiros,
              Do morcego e da serpente,
              Em homenagem infernal
              A Satan omnipotente.

              A nossa alegre
              Risonha vida
              É agradável,
              É divertida:
              Sobre os telhados
    Voar, voar;
              E numa eira
                   Dançar, dançar...

Mercúrio -
              Lindas bruxas,
               Lindas bruxas feiticeiras!
              Dou-vos as minhas asas
              E voareis sem mais canseiras!...

Bruxas -
              Somos as bruxas
              Sempre a girar,
              Corremos mundo
              Sempre a voar.
              Se nos apraz
              E dá na bolha,
              Vamos por cima
              De toda a folha.

         E tanto gostou delas que as levou para o seu planeta. Mas, agora, iriam fazer muita falta na terra. Quem passaria a carregar com as culpas? Estava o Tio Joaquim a pensar como se havia de resolver o problema, quando chega até ele uma linda senhora.

                                               “Mensageira do destino
                                               Sou a princesa das fitas.
                                               Espalho por toda a gente
                                               Fitas feias e bonitas.

                                               As velhorras e os caturras
                                               Nem sequer merecem fitas.
                                               Para a doida mocidade
                                               Eu reservo as mais bonitas.

                                               No colorido das fitas
                                               É que está o meu segredo.
                                               Uns apanham a taluda,
                                               Os outros, chucham no dedo”.

         As bruxas tinham ido embora? Não faziam falta. Ainda ficaram os lobisomens. E havia as fitas. Por exemplo, a dos milagres. Tudo aquilo que explicavam com as bruxas podem, a partir de agora, explicá-lo como milagre...

         Uma das fitas crónicas cá da terra era a dos “Borrachos”. Lembremo-nos do José Borrachão e do João Borracho, sempre com os copos e a reclamarem contra os falsificadores do vinho. E também reclamavam contra as falsificações de dinheiro, que estavam muito apuradas... Era cá uma fita! Falsificavam as notas grandes e as moedas pequenas: “olhe que há dez reis falsos, vintens falsos, patacos falsos, meios tostões falsos, e não falsificam três vintens porque é moeda que não existe!”. É caso para dizer: mas que grande fita!

         Mas também Tavarede tinha fitas tristes, mesmo dramáticas. Vou recordar uma. A tragédia da Maria da Chã.

Tio Joaquim - Olha, quem ela é, a pobre da Maria da Chã. É uma tragédia. (entra a Maria da Chã) Olha cá, Maria, a pequena está melhor?
Maria da Chã - Desculpe, ti Joaquim, nem tinha reparado. A minha Júlia? Isso sim. Apaga-se, coitadinha. É só a pele em cima do osso, e aquela tosse maldita! (chora)
Tio Joaquim - Tornáste ao médico?
Maria - Não, senhor, não tornei lá. P’ra quê? Da outra vez receitou um frasco que custou dezoito mil reis que tive de ir pedir emprestados ao senhor Francisquinho, e mandou dar bom tratamento, ovos, leite, uns bifesinhos. Mas eu posso com isto? (chora) Triste vida a minha! Não tenho cinco reis! Na venda já não me fiam nada. Tenho empenhado tudo, por causa desta maldita doença. Agora lá deixei o meu chaile do casamento para ver se a tia Rosa me larga um quartilho de leite. Não tenho mais nada! E a minha filha morre! (chora)
Tio Joaquim - Então o teu homem...
Maria - O meu homem, ti Joaquim?... (um sorriso de profunda amargura) Bem se importa ele com isso. (com mais veemencia) Não me dá cinco reis, A féria fica-lhe toda na taberna, derrete-a em vinho, em borgas c’os amigos. No domingo pedi-lhe que me desse alguma coisa para tratar a Júlia. (com amargor) E o malvado pôs-se a rir e disse que o dinheiro era mal empregado para gastar na botica. E foi derretê-lo na venda, com os outros, aquele desalmado!
Tio Joaquim - Malandro! Ainda agora aqui passou a caír de bêbado, o estupôr...
Maria - É todos os dias assim. Tudo quanto tem e não tem é p’rá vinhaça. Ontem chegou a casa e pediu a ceia: - “Não tenho ceia p’ra te dar! Ainda não me deixáste a féria da outra semana. Eu vou roubá-lo?”. (chora) E bateu-me, e atirou-me ao chão. Queria a ceia... Eu em todo o dia não provei uma migalha de pão, e a minha filha só comeu um caldinho de arroz que a senhora Joana me levou por esmola...
Tio Joaquim - Raios os parta! Cães! Vai a minha casa e diz à ti Joaquina que te dê de jantar, e vá à capoeira buscar um frango. Leva-o para a pequena.
Maria - Deus lhe pague, tio Joaquim. Mas a minha filhinha morre... (chora) Também, se ela há-de viver para ter a vida amargurada que tem a mãe... (numa convulsão de choro) Antes Deus Nosso Senhor ma leve.

Tio Joaquim - Deixa-te de parvoeiras rapariga. Vai lá a minha casa anda..

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